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Red Dead Redemption (2010)

  • Foto do escritor: robsonsbello
    robsonsbello
  • 18 de jun. de 2024
  • 6 min de leitura

Atualizado: 19 de jun. de 2024

Red Dead Redemption é um jogo de ação, do estilo que foi convencionado chamar sandbox - isso é, um mundo aberto, uma caixa de areia em que você teórica e supostamente pode fazer o que quiser. Foi criado e distribuído pela Rockstar Games, mais famosa pela sua série Grand Theft Auto, que popularizou o gênero sandbox, onde você é um violento criminoso solto em um cenário urbano caótico. Em RDR, o personagem pode decidir ser bonzinho ou malvado, salvar ou raptar donzelas, proteger ou roubar pessoas. Terá em seu alcance três localidades e diversos ambientes, do deserto texano a montanhas nevosas, e poderá caçar animais, colher plantas, ajudar estranhos, e uma série de outras opções.

 

Para começar nossa reflexão, é interessante assistir a introdução do jogo. Partiremos a uma análise que tenta encontrar um "discurso", uma "tese", do jogo, tanto em sua narrativa quanto em seu gameplay.

(Sim, eu sei que eu disse da última vez que não gosto de vídeos, mas é importante -  e é preferível abrir no próprio Youtube para acompanhar melhor)

 

O jogo, tanto em sua introdução quanto na sua embalagem é claro: o Velho Oeste está acabando. O Progresso já chegou - e continua a chegar - carros, indústrias. Os nativos já estão quase todos "pacificados". O Destino Manifesto - conceito em que os estadunidenses devem ajudar a civilizar o mundo conhecido - está quase completo. John Marston, protagonista da trama, é enviado pelo poder federal a esse  Velho Oeste decadente para que traga a justiça do poder central seus antigos companheiros de banditismo. Não há mais espaço para o desvio da ordem e para a rebeldia - para qualquer "selvageria".

 

O Velho Oeste foi o equivalente estadunidense à expansão para Minas Gerais - uma grande corrida do ouro. Uma enorme quantidade de pessoas moveu-se para lá com esperanças de riqueza, defrontando-se com um "espaço vazio", exceto que preenchido por nativos americanos e mexicanos - o conflito foi sangrento. Quando as reservas minerais diminuíram, um enorme contingente populacional é deixado a sua própria sorte. Conflitos violentos entre grupos nativos, grupos locais e poderes estatais pela posse das riquezas minerais e pelo controle daquele espaço eram comuns durante e após sua era do ouro.

 

 

O cenário e a história do jogo partem da visão tradicional construída pelos Western Spaghetti do cinema hollywoodiano, que transformam o Oeste Americano naquele Velho Oeste romantizado, literalmente de Cavalaria, na disputa entre civilização e barbárie, bem contra mal, mocinhos contra bandidos, mas revisita esse mesmo cenário com base em discussão historiográfica mais recente. O mesmo discurso sobre o progresso, a civilização e a missão estadunidense são encaradas criticamente, não são algo mais levado como positivo. Como exemplo emblemático, um dos desafios (que você pode escolher ou não fazer) é matar todos os Búfalos do jogo, ou seja, a extinção de uma espécie: seu prêmio é o trophy ou achievement (Troféus são títulos dentro do jogo que reconhecem que o jogador efetuou um desafio) é ironica e sarcasticamente chamado de Manifest Destiny.

 

 

Da mesma forma de recuperação historiográfica, o velho conflito entre cowboys e nativos norteamericanos é massivamente deslocado, ainda que não substituído inteiramente, conflito entre grupos e classes de próprios estadunidenses e por mexicanos, algo que é ignorado majoritariamente pelos Western Spaghetti. Não obstante o revisionismo historiográfico e a mudança de discurso, as aventuras cavaleirescas de proteção do trem ao resgate da donzela em perigo, aos duelos entre cowboys, estão todos ali.

 

A representação gráfica  e lúdica do que seria a vivência em um Velho Oeste é interessante: saloons, bandidos com lenço na cara, animais selvagens, jogos dos mais variados tipos - dados, poker, blackjack, braço-de-ferro, lança-ferradura. A própria experiência do que supostamente seria uma simulação de um vaqueiro estadunidense é pretendida: há missões para o laço e captura de cavalos silvestres, coleta de plantas, pastoreio de gado, extermínio de pragas. Isso dá ao mesmo tempo uma multiplicidade de formas de jogar, quanto cria um ambiente navegável imersivo que pretende convencer o jogador de que aquilo é uma simulação fidedigna daqueles tempos. E realmente parece, em alguma medida.

 

Talvez nenhum filme de Western tenha trazido tão próximo ao espectador a experiência quanto esse jogo.

 

O jogo é composto por três "arcos" narrativos - New Austin/Texas, Nuevo Paraiso/México e West Elizabeth. Cada arco possui uma estrutura de começo-meio-fim próprio e é composto por um espaço territorial, personagens, ritmos e dinâmicas diferentes, totalizando uma história una. Farei uma reconstituição sucinta da narrativa para, ao fim, tentar lhe impor um sentido.

 

 

John Marston chega em New Austin (o clássico Velho Oeste) a procura de seu ex-companheiro de banditismo e começa a reunir esforços para atingir sua missão. Temos como personagens principais a família McFarlane, fazendeiros extremamente incomodados com o fato de Marston ter sido enviado pelo governo federal, e como eles só aparecem para atrapalhar o homem comum e seu trabalho, e o Marshall Leigh Johnson, tentando atuar no limite de suas possibilidades para evitar o caos e que as pessoas matem-se umas as outras.

 

 

Ao perseguir seu ex-companheiro ao México,  se depara com a Revolução Mexicana, e tem de hora ajudar o Exército Nacional, liderado por um clássico Coronel das Bananas, estuprador e cachaceiro, hora ajudar o Revolucionário Romântico, que não estupra, mas ludibridia suas mulheres com falsas promessas. Marston ajuda também um velho pistoleiro estadunidense que ali está imigrante e uma aldeã. Retornaremos em breve.

 

 

No último arco, o protagonista se encontra em West Elizabeth, que representaria o espaço já civilizado. Ali, o banditismo é mínimo, o poderal federal grande, e a cidade difere-se de todas as outras encontradas: tem quarteirões, ruas com paralelepípedos, calhambeques. Em West Elizabeth, Marston está sob o comando direto dos Federais em sua caça ao líder de seus ex-companheiros. O final é trágico, para todos os lados, inclusive o de Marston.

 

 

A chave para entender a narrativa dos três arcos é o pistoleiro estadunidense residente no México: Landon Ricketts. Cheio de sabedoria, o velho homem diz que revolucionários e governos vem e vão, todos dizendo representar o povo, todos só querendo saber de seu próprio interesse. É isso: Red Dead Redemption demonstra um discurso extremamente desconfiante quanto a qualquer tipo de governo. O Governo Federal é visto com desconfiança pelas pessoas de New Austin no começo do jogo, posteriormente, o que parece um reducionismo da História Mexicana, na verdade é a narrativa nos dizendo que tanto o Governo Estatal pode ser autoritário, quanto os Revolucionários podem ser tão ruins quanto.

 

 

A quem são dadas as vozes legítimas? Ao "povo" e ao pequeno poder: os Mcfarlane defendendo o direito do homem ser livre e poder trabalhar; o pequeno Marshall trabalhando com os conflitos locais; a aldeã mexicana (Luisa) que acredita fielmente na revolução e na melhora das condições de seu povo; o velho pistoleiro que já viveu por muito tempo entre as pessoas comuns e "sabe" que os governos são corruptos; e finalmente, o próprio John Marston que é nada mais que um simples peão de engrenagens maiores, e faz tudo que faz durante o jogo, para poder viver uma vida em paz como fazendeiro, junto a sua família.

 

 

Ao final do jogo, achei que o jogo eximiria de maior crítica o governo federal dos EUA, mas ele é quem causa a maior das desgraças, e o fim do sonho dos Marston. Aparentemente, portanto, o que o discurso narrativo do jogo advoga para nós hoje, é a necessidade de se garantir as liberdades e direitos individuais, acima de qualquer ideologia ou poder. Advoga a ideia liberal do homem poder trabalhar e colher os frutos de seu esforço. Combate a ideologia do progresso, a ideologia do Destino Manifesto, a ideologia revolucionária. Quer a isenção de grandes poderes, do controle do Estado, diz que os homens podem cuidar deles próprios sem alguém dizendo o que é melhor para eles.

 

 

Como dito na descrição, ao protagonista é permitido uma série de escolhas: pode ser um herói ou um vilão. As pessoas do jogo o reconhecerão de acordo com seus atos, se Marston tiver honra alta, será aclamado por quem passar, se tiver honra baixa, pessoas fugirão dele, e as autoridades o perseguirão. No entanto, nada que ele fizer pode alterar a narrativa do jogo: é como se o jogo, em termos de gameplay dissesse que não importa o que o indivíduo faça - ele pode alterar a perceção que as pessoas tem dele, pode alterar seus arredores - mas não pode mudar a grande estrutura das coisas.

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